17 de jul. de 2015

Para Juca

Tu és um e és vários
Na minha cabeça 
Andas por todos os lados
o que te mantém vivo 
E aqui
É o fato de não estares 
em lugar nenhum
Deixas a porta entreaberta
Presença distante
"Fresta de esperança cruel".


25 de mai. de 2015

Um adeus português Alexandre O'Neill

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

* 

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

22 de ago. de 2014

TENTAME - Luci Collin


e entre nós e as palavras, o nosso querer falar
                                                                                                                   M. Cesariny
não havia palavra que coubesse
na carícia que os dedos fazem nas cordas
palavra que frutificasse ao falar
do deserto

um instrumento desafinado
que arranha a plenitude do lago
que quase inexiste
traz uma dor desconcebível e úmida
de dia frio                 de voz rachada
de sobreavisos

não havia palavra que se aproximasse
da carícia feita nas cordas deste instrumento inabitado
e a voz desconjuntada se esforçava para trazer
a manhã de volta

eu permeável pudesse nesta giga saber
que uma aridez ternária jamais não dói
não esboça certeza nem parelha
é arrítmica esta inquietação de perfumes abandonados

voz subsistida no som das carícias
nas horas eriçadas                na suspensão
  
e eu aqui querendo que a palavra que fala
não seja só
o próprio deserto

25 de jun. de 2014

a mãe desde então não parou de (se) mudar. muda de casa. muda os móveis de lugar com uma frequencia perturbadora. muda os objetos. limpa a casa. casa limpa de filhos. desacomoda os móveis na tentativa de acomodar tristezas.  

11 de jun. de 2014

OS PEIXES

Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.
[Lêdo Ivo]