1 de abr. de 2013


"o pior de tudo é que não ocorreram coisas terríveis que me cercassem (bem, a morte de Isabel é algo forte, mas não posso chamá-la de terrível; depois de tudo, existe coisa mais natural do que partir deste mundo?), que freassem meus melhores impulsos, que impedissem meu desenvolvimento, que me prendessem a uma rotina anestesiante. Eu mesmo fabriquei minha rotina, mas pelo caminho mais simples: a acumulação. A segurança de saber-me talhado para algo melhor colocou em minhas mãos a postergação, que no final das contas é uma arma terrível e suicida. Daí que minha rotina não tenha tido nunca caráter nem definição; sempre foi provisória, sempre constituindo um rumo precário, a ser seguido apenas enquanto durava a postergação, apenas para aguentar o dever da jornada durante esse período de preparação que, ao que parece, eu considerava imprescindível, antes de me lançar, em definitivo, à cobrança do meu destino. Que bobagem, não? O resultado agora é que não tenho vícios consideráveis (fumo pouco, e vez por outra, quando estou enfadado, tomo um traguinho), mas creio que já não poderia deixar de me postergar: este é meu vício, por outro lado incurável. Porque, se agora mesmo eu decidisse garantir por meio de uma espécie tardia de juramento: "Vou ser exatamente o que quis ser", seria inútil."


reflexões de Martín Santomé, do livro "A Trégua" de Mario Benedetti