7 de jul. de 2013

"Cortázar: um ladrão de fôlego alheio"

O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7 - Julio Cortázar


"Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou
desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como
se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar
os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, 
a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha
no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita
por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por
um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com
a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais perto e,
então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e
nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os
cíclopes de olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e 
lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente 
a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um 
ar pesado vai e vem com um perfume antigo e grande silêncio.
Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, 
acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos
como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de
movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a
dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo
de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só
sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água."


Aqui, na voz do Cortázar, consegue ser mais lindo ainda.


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